Atualidades

Judite e Ester, mulheres do profetismo feminino

Judite e Ester, mulheres do profetismo feminino

por Ir. Roseli Teresinha Klein

Não somos nós que interpretamos a Bíblia, é o Espirito que interpreta em nós.”

 Com o desejo de aproximar-nos cada vez mais da palavra de Deus, nos dias 8 e 9 de outubro, reuniu-se um grande grupo de Irmãs para aprofundar o tema bíblico proposto para esse ano, conforme a Decisão nº 1 do nosso XXI Capítulo Provincial: Profetismo das mulheres no Antigo Testamento. Nesse encontro, especificamente, nos debruçamos sobre Judite e Ester.

Inicialmente, a assessora do encontro, Irmã Lúcia Weiler – da Divina Providência, criou um “chão preparatório”, instruindo como ler a Palavra de Deus, tendo sempre presente a realidade em que nos encontramos.

Dessa forma, antes de entrar na Palavra de Deus é necessário criar esse chão: 1º – a Realidade: o que Deus fala hoje. Conhecer a realidade onde nos encontramos e perceber o que Deus fala hoje para e nessa realidade; 2º – em Comunidade: a Palavra de Deus gera comunidade e a comunidade se fortifica com a Palavra; 3º – A Bíblia: é o documento que atravessou séculos e contém livros que se tornaram canônicos. O texto não é a Palavra de Deus, mas traz a palavra de Deus na realidade daquele tempo, e, por isso, deve ser lida na realidade de hoje. Após compreendermos esses processos, passamos para o estudo dessas duas mulheres, Judite e Ester.

Ficou claro para nós que não podemos ser profetas fora da nossa realidade, e que na realidade de hoje faz-se necessário evangelizar também nossa sensibilidade para iluminar nossos discernimentos. Somos constantemente bombardeados de informações, de fundamentalismos que não são de Jesus Cristo. Por isso, precisamos trabalhar nosso senso crítico.

A Palavra de Deus precisa ser prioridade na nossa vida, na nossa formação permanente. O profetismo não pode ser personalista, individual, deve ser um profetismo coletivo, como muito bem nos foi demonstrado através das profetisas do Antigo Testamento. Precisamos constantemente nos perguntar, como ser profetisa na minha realidade? Temos dentro de nós um dom, uma pérola preciosa contida num vaso de barro. O convite é nos preocuparmos menos com o vaso de barro e olhar mais para o dom que é a Palavra de Deus.

Vimos que os textos são altamente patriarcais, e devemos “despatriarcá-los”. Ainda continuamos numa relação de desigualdade – e isso podemos perceber dentro da própria Igreja. Nos questionávamos qual a nossa postura frente a isso, somos passivas? Somos capazes de nos posicionar para demonstrar o valor da mulher? Deus faz história conosco hoje, como fez naquele tempo. A profecia surgiu e continua surgindo como chamado de Deus, a partir da realidade em resposta aos clamores da vida.

A partir disso, fomos convidadas a nos perguntar: Que palavra resume o que sinto como clamor mais forte na realidade de hoje? Depois de uma partilha em grupos, surgiram muitas palavras. Destaco algumas: comunhão, compaixão, consciência, solidariedade, tolerância, respeito à vida, testemunho, partilha, justiça, humanização, fraternidade, misericórdia… Após, fomos convidadas a nos confrontar com alguma notícia dos jornais, para vermos como esses clamores se fazem presentes. Vimos que é necessário usar de suspeita, ter senso crítico, ao ler ou ouvir notícias, precisamos usar de filtros. Não nos deter demais no negativo, mas encontrar sinais de esperança.

Devemos, diariamente, nos questionar: Onde Deus chama para eu me fazer presente hoje? Onde devo ser sinal de esperança hoje? Que clamores estou ouvindo ao meu redor? Com isso, também surgiu o questionamento: Será que não teriamos que evitar que existam tantos clamores? Não devemos nos preocupar em combater o mal, mas em promover o bem. Vivemos uma realidade contraditória, em que temos que ser presença profética! Jesus abriu o mundo da esperança para nós, a esperança da ressurreição, e esta fecunda nossa vida!

O profetismo passa pela experiência da realidade. O que não passa pela experiência se torna superficial, nos deixa como meros expectadores. Somos envolvidas pelo mundo digital, que nos deixa no monólogo, temos que romper com isso. Somos pessoas situadas no “tempo e no espaço”, no “aqui e agora”, numa realidade e cultura concreta. A cultura por si só não se globaliza. Globaliza-se, porém, no momento em que olhamos para um horizonte comum, acolhendo as diferenças. Precisamos viver o Kairós, ou seja, nos engajarmos, não deixar a oportunidade passar. Não podemos ficar alheias, temos que fazer o papel de influenciadores. Dentro deste contexto, precisamos ressignificar a Vida Religiosa Consagrada e abraçar a vulnerabilidade, caminhar com ousada esperança, apesar do cenário em que vivemos. Na vulnerabilidade, se cria a força para gerar o “novo” – “Não colocar o futuro na gaiola do passado”. Para viver nessa esperança, precisamos colocar a centralidade em Jesus Cristo. Ele nos convida: “Permanecei no meu Amor”. Como Vida Religiosa Consagrada, somos convidadas a despertar a aurora da Igreja. Ser mulheres da aurora, mulheres que não ficam paradas no meio da escuridão.

Depois deste pano de fundo, passamos a refletir mais concretamente sobre o tema proposto, inicialmente fazendo uma recapitulada do encontro anterior, sobre algumas mulheres do Antigo Testamento que aprofundamos. Depois passamos a estudar Judite.

 

Judite

Judite não é uma mulher concreta: é mulher símbolo que representa várias mulheres. Ela é a protagonista central do Livro de Judite. É uma mulher judia, símbolo de mulheres que se organizam a partir da família. Judite simboliza várias profetisas, para representar as mulheres que se organizavam para resistir e lutar. A história de Judite é composta para encorajar o povo a resistir e lutar e o livro recupera personagens e situações do passado para falar do presente.

Diante da situação da época, Judite traça suas estratégias para atacar o inimigo. Seu profetismo não é personalista, é coletivo. O seu foco e a sua fé buscam o Deus verdadeiro. Quer destruir os que se colocam do lado de quem quer ser divindade – nesse caso Nabucodonosor, que representa o poder, o domínio imposto sobre o povo. Sua luta é para conservar a mística no Deus da Vida. Ela se faz valer de sua beleza para colocar o seu plano em ação em favor do povo. Busca sua força e inspiração na oração, não apenas reza, mas também age.

A primeira parte do livro, dos capítulos 1 a 7, descreve as ações do exército de Nabucodonosor, a predominância do medo e a atuação dos homens; a segunda parte, dos capítulos 8 a 16, apresenta a ação de Judite, o predomínio da beleza e a figura de uma mulher. Isso mostra que Deus não se apresenta com sua força, se apresenta na vulnerabilidade, caminha com o povo. Vemos nessa narrativa que a beleza se opõe ao medo, e os homens se opõem a uma mulher.

Judite é uma viúva temente a Deus, não permite que Deus seja desafiado. Ela o reconhece como o Todo Poderoso, como podemos ver e sentir mais claramente através de seus cânticos. Judite se preparou para aquilo que ia fazer. Primeiro, preparou tudo o que precisava para o tempo em que estaria com os inimigos. Depois, mostrava uma convivência agradável, facilitada por sua beleza, e rezava para a ação no momento oportuno. Sempre tinha Deus como prioridade. Preparou-se com serenidade, isso mostra que o profetismo não pode ser eufórico, não pode ser fanático. Judite seduziu o rei para conseguir a libertação de seu povo, colocou em risco sua vida para salvar o povo, mas foi fiel às suas convicções de fé.

Encontramos no livro de Judite o Magnificat: Deus derruba os poderosos e eleva os humildes. O cortar a cabeça de Holofernes significa cortar o mal pela raiz. Encontramos a celebração da vitória dos oprimidos que confiam no verdadeiro Deus, contra a decepção e a derrota dos que confiam em chefes poderosos, falsos deuses.

Rumo a uma profecia coletiva precisamos ser mulheres em busca, mulheres de esperança, mulheres da aurora.

 

Ester

Na continuidade da reflexão, Ir. Lúcia passou a aprofundar o Livro de Ester. Este livro aborda a vida judaica num período de dominação estrangeira, em especial, quando os judeus vivem fora de Judá. É chamado de Pentateuco Feminino e traz a marca da resistência no protagonismo da mulher. Surge como resistência diante do fechamento da comunidade judaica, a partir da voz e ação das mulheres. Este livro contém tradução do hebraico e do grego. É um livro histórico. Neste livro encontramos três palavras chave: banquetes – festejar – Deus.

Festejar é um tema importante neste livro, o contraste se dá nos banquetes. Havia o banquete dos poderosos, o banquete dos homens e o banquete das mulheres, oferecido pela Rainha Vasti. Com uma negação à ordem do Rei, da rainha Vasti, começou uma movimentação diferente das mulheres e, em resposta a isso, foi enviado um decreto oficial para garantir a autoridade dos homens. A rainha Ester, através de um concurso de beleza, tornou-se a substituta de Vasti. Ester era órfã e era criada pelo primo Mardoqueu. Foi ele que a enviou para o concurso, como forma de encontrar uma alternativa para salvar o seu povo. Ele dava todas as orientações de como Ester deveria agir. Tanto Mardoqeu quanto Ester rezavam fervorosamente a Deus para os conduzirem para conseguirem a libertação do seu povo. E Deus atendeu as suas preces: quando viu que tinha conquistado a confiança do Rei e ele lhe tinha prometido que poderia pedir o que quissesse que lhe daria, pediu a libertação dos judeus, povo ao qual pertencia.

Esse livro nos ensina a orar em tempos de angústia, a confiar no Deus Todo Poderoso, a confiar no Deus que liberta e a fazer de tudo para salvar o povo. Deus ouve, vê, sente e desce para se tornar próximo. Assim como Ester, somos convidadas a nos colocar na total dependência de Deus e ter coragem profética de agir diante das injustiças. Também no livro de Ester, vemos acontecer o Magnificat: Os poderosos foram derrotados e os humildes exaltados.

 

Esses dois dias de reflexão nos trouxeram vários desafios:

  1. Apostar numa formação humanizadora – temos a missão de humanizar os que se aproximam de nós.
  2. Ter a Palavra de Deus como Primazia.
  3. Devemos resituar nosso lugar (de mulheres), dentro e fora da Igreja.
  4. Seduzir as pessoas para que não sigam falsas promessas.
  5. Ter consciência de que, quem tem Deus no coração parte para a missão e isso gera sinodalidade.
  6. Precisamos nos preparar para aquilo que vamos fazer.
  7. O/a profeta, deve conhecer as estratégias do inimigo e isso exige olhar para a realidade.

 

Obviamente, também surgiram muitos questionamentos a partir das reflexões feitas:

  • Onde Deus me chama para me fazer presente hoje? Pergunta a ser feita diariamente.
  • Como olhamos para a realidade que nos cerca?
  • O que podemos positivar diante de uma realidade sofrida, violenta e injusta?
  • Como “despartriarcalizar” a Igreja, para que seja sinodal?
  • Qual a nossa participação como mulheres consagradas na sinodalidade?
  • A quem nós seduzimos?
  • Onde estão nossas convicções?
  • Como são minhas negociações com Deus?
  • De onde vens? Para onde vais? De que lado estás? – perguntas, muitas vezes, feitas na Bíblia e que nós também devemos nos fazer.
  • O que encontro de belo que me faz entrar em sintonia?
  • A partir do cântico de Judite: O que me toca, o que me inspira para a profecia como mulher, como Irmã Franciscana da Penitência e Caridade Cristã?
  • Somos mulheres de esperança, mulheres da aurora?
  • Como são minhas orações na angústia?
  • O que faço pela salvação do meu povo?

Tantos outros questionamentos que brotaram em nossos corações… É impossível expressar em um texto toda a riqueza vivenciada! Creio que podemos concluir esta meditação com o refrão que muitas vezes cantamos: “Quando a vida e a Bíblia (Palavra de Deus) se encontram, o povo começa a andar, em rumos de liberdade, que fazem a história mudar”.

 

 

 

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